Me disseram para que não lesse.
- Bárbara Ferreira
- 29 de jan.
- 3 min de leitura
Um dia estava em um curso, pela primeira vez pude pagar um desses eventos em espaços bonitos com mulheres de saias longas, muitas flores e cristais e tudo aquilo que a gente acha legal quando é jovem. Eram 4 dias de curso, no segundo dia, eu que já trabalhava e vivenciava as plantas medicinais há algum tempo fiquei surpresa com algumas indicações de plantas tóxicas na tintura no começo do dia, mas relevei em silêncio.

No fim do dia, quando passaram o ‘bastão da fala’ (risos nervosos) eu perguntei sobre referências bibliográficas, talvez indicação de livros ou outras fontes de leitura. Eu não sabia que isso era crime no ambiente da nova era, por causa disso, fui sentenciada no tribunal místico:
‘não se aprende nada através dos livros, livros são muito mentais, o mental atrapalha sua intuição, você precisa aprender pela intuição. você me parece muito questionadora, crítica, e esse seu julgamento não vai te deixar aprender nada sobre a espiritualidade.”
eu que já estava me sentindo ali diferentona porque vestia uma camisa e um short, não tinha me preparado para aquele evento a altura dos trajes sacerdotais porque não os tinha, me senti completamente deslocada com aquela colocação e aquela forma de falar, tipo, patinho feio mesmo.
Em silêncio fui embora pensando em quantas coisas incríveis aprendi nos livros, como me foram companhia e refúgio, quanta gente maravilhosa eu conheci por conta dos escritos, quantas reflexões, quanto conhecimento que pude acessar e que me libertaram de tantas amarras que minha classe social e sexual me imputaram, como pude ter mais saúde, mais inspiração através desses livros.
Fui embora em silêncio lembrando do cheiro dos livros, das bibliotecas da minha infância e juventude, das imaginações vividas que brotam quando imaginamos os cenários dos contos. Lembrando de Vandana Shiva, Nei Lopes, Elisa Larkin do Nascimento, Davi Kopenawa, Mircea Eliade, Virginia Woolf, Gabriel Garcia Marquez, Carolina Maria de Jesus, Simone, Clarice, Carlos Castaneda, Pablo Neruda, Jack Kerouac.
Constatei que uma pessoa que não gostava de livros era uma pessoa que havia fechado a porta para a arte entrar, ter o privilégio de saber ler e não gostar de livros é como ouvir e não gostar de música ou ver e não gostar de pinturas, cheirar e não gostar do cheiro de uma planta.
Eu não voltei nos dias seguintes do curso, mas voltei algumas vezes a ambientes como aquele, onde o senso critico é mal visto e onde o questionamento é ëlocubraçao mental”” lugar que te incita a absorver sem observar, e decidi que meu lugar não é ali, a espiritualidade é fundamental mas sem DISCRIMINATIO - sem a arte de discernir, fundamental não só na filosofia, nas relações e também na espiritualidade, sem ela se torna qualquer grupo com discurso espiritualista de torna seita e - discernimento, sem ele, que mora nos livros não dá pra viver não.
Plot twist, (reviravolta da história), eu que sou educadora ouvi de uma jovem: então voce le os livros e explica pra gente ? e cá estou, hoje eu tenho meus vestidos largos e longos, sento em roda em lugares bonitos mas não tão chiques, e além das nossas velhas, elas que são bibliotecas vivas, tem também os livros têm os livros no centro da roda, afinal uma biblioteca faz vários livros.
Se eu pudesse dar um conselho pra minha eu de 20 e poucos anos : só sente em roda onde todo tipo de arte é bem vinda, que o conhecimento não é usado para subordinar ou vender a ninguém, onde o senso crítico, a dúvida, o questionamento são tidos como sinal de humildade e não de inferioridade.
Talvez por isso a mística rima crítica que rima com prática, uma sem a outra é alienação.
Ps.: Minhas alunas que se preparem cada vez mais vocês terão que ler se quiserem me acompanhar.
A leitura é muito importante na vida de qualquer pessoa. Eu não tinha o hábito de ler quando criança e na minha juventude. Mas hoje, na fase adulta vejo o quanto a leitura me fez falta. Como nunca é tarde para criar novos hábitos, eu agora sou a louca dos livros e amando ler. Gostei do seu relato Barbara. É por isto que você se tornou uma mulher viva, esperta e com ótima comunicação. 😍