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Tudo que vive foi cuidado.

Atualizado: 4 de nov. de 2024

Há 31 mil anos viveu uma mulher que teve a perna amputada e ainda sobreviveu por 9 anos nessa condição indicando que, o CUIDADO já era presente entre os humanos desde então. Os biólogos e etnobotânicos constataram que a Floresta Amazônica foi cultivada, plantada e cuidada por seus habitantes. O cuidado, a tarefa de manutenção da vida é uma necessidade comum a tudo que vive, então porque essa atividade essencial é negligenciada e vista como inferior?


Amamentar, beber água, comer, construir uma moradia, criar a prole, são práticas essenciais de sobrevivência, são demandas da natureza humana, mas estão marginalizadas pela cultura. E como atividades de segunda classe não remuneradas, as tarefas de cuidado são cumpridas em 85% dos casos por mulheres - há 5 mil anos. O exercício de entender o que é cultural e o que é natural é, talvez, a tal busca pela nossa essência - a natureza dita que o essencial é o cuidado, a cultura diz que o cuidado é inferior.

A ideia cultural que o cuidado é inferior e é feminino -  determina que mulheres devem ser as únicas responsáveis por essa tarefa - como consequência temos altas taxas de esgotamento, doenças mentais e… pobreza feminina. As tarefas de cuidado não remuneradas rendem 32 bilhões de dólares ao ano segundo a OIT, mas nós não estamos recebendo por isso - a economia do cuidado, assim batizada, foi tema do enem e faz com que abramos os olhos para isso.


Mas vamos de história… há cerca de 5 mil anos surge o patriarcado e com ele as mulheres são alocadas como reprodutoras, cuidadoras de crianças, de velhos, de homens e de si mesmas. O que permitiu as empreitadas masculinas de conquista e dominação de outros povos foi a exploração do trabalho feminino, inclusive foi o que permitiu o enriquecimento de territórios inteiros e grandes nações. Antes do capitalismo como conhecemos hoje, antes da exploração de África e de outras colônias, bem antes, se iniciou a subordinação de mulheres e sua clausura no ambiente doméstico. O patriarcado surge como consequência da sedentarização e da gênese do 'território - da agricultura e da criação de animais começa-se a ardua tarefa de defender e produzir bens em uma determinada gleba de terra, e para isso eram preciso braços, proles, filhos, e quem os fornece: mulheres.Hoje, com o avanço das pautas do feminismo neoliberal, desde os recentes anos 60, as mulheres com algum privilégio de raça ou classe tem buscado se introduzir no mercado de trabalho e assim ter uma renda própria, rompendo com as amarras do serviço doméstico de cuidado e afeto - mas como esses serviços são essenciais à vida e os únicos que não podem deixar de ser cumpridos quando uma mulher com privilégio sai de casa para trabalhar quem ocupa seu lugar é outra mulher - com menos privilégios. Mulheres negras ocupam 65% dos cargos de empregadas domésticas.


Agora a mulher branca, rica, estudada passa a função de cuidado para uma mulher periferica, marginalizada, e essa segunda precisa encontrar alguma outra mulher ainda menos abastada, ainda mais vulnerável que esteja disposta a cuidar de sua cria dos seus idosos, por uma quantia ainda menor - e assim um ciclo vicioso se forma onde o cuidado permanece algemado ao feminino.


É como se os homens não pudessem faze-lo por alguma questão fisiologica, a cultura de que o cuidado é feminino é tao enraizada que nos faz acreditar que é da natureza do homem o descuido e que a eles esta reservada a parte mais nobre e - remunerada - do trabalho. Aqui mais uma vez nos deparamos com uma questao cultural que se fez crer natural: a incapacidade masculina de cuidar. 


E se com muita união e educação de base nós mulheres entregassemos, de forma rebelde e revolucionaria, o cuidado na mão dos homens: e se fizessemos uma greve geral no cuidado: Mulheres do mundo, uni-vos e por 24 horas em um grebe de cuidado : nenhuma de nós cozinha, lava, passa, limpa, brinca ou troca a fralda da criança, não faz a criança dormir, não dá banho nos idosos, não diz ao marido, pai, irmão diz o que tem que ser feito. Isso talvez fizesse as pessoas despertarem para a importância desse serviço, mas 24 horas é muito pouco, eu sonho com uma greve milenar - por mil anos nós não seremos responsáveis pela manutenção da vida, e aí, talvez, a balança se equilibra.


Sonhadoras que ainda acreditam, liga noiz, por um milênio de greve feminina !


E termino com uma frase de Leonardo Boff, grande mestre que tive a honra de conhecer e que ensinou sobre o cuidado da Terra e das pessoas:


O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.


 
 
 

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